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A Federação Anarquista Cabana comemora seus 10 anos

Hoje, há dez anos, militantes de lunga data do movimento libertário paraense, que já tinham muito acúmulo, se uniam para fundar uma organização política anarquista de cunho especifista (para saber o que é o especifismo, vejam o material compartilhado em ocasião da nossa primeira sessão de formação política).

Desde então, a Federação Anarquista Cabana (FACa) passou por várias etapas de progresso, mudanças internas e dos contextos regional, nacional, internacional, mas também por alguns momentos de dificuldade (um dos mais recentes sendo a pandemia da Covid-19) que seus militantes sempre enfrentaram com coragem e seriedade.

Nessa ocasião de 10 anos de vida, o CCLA queria se manifestar, através deste artigo, para saudar a militância da FACa e desejar a esta muitos anos de lutas políticas, sociais em prol de uma sociedade livre do capitalismo, do imperialismo, do colonialismo, do patriarcado, das opressões de todo gênero e finalmente solidária, federalista, libertária.

Agora vamos deixar a palavra a um desses militantes históricos do movimento, Ricardo, que passou por todos aqueles momentos e nos conta uns aspectos marcantes dessa história. Uma história de vida, uma história de luta, uma história de esperanças, de confiança e de realizações.

Parabéns FACa!! Que venham mais anos de luta!! Saúde e Anarquia!!

Nota: O discurso que segue assim como as lembranças que estão aqui expostas correspondem apenas ao ponto de vista de uma só pessoa. Outros registros que venham complementar estes aqui apresentados são bem-vindos.

 

  1. O que existia em Belém em termos de organização ou coletivo anarquista quando a FACa foi criada dez anos atrás?

Não havia organização ou coletivo anarquista organizado dentro do campo do Especifismo em 2013 aqui no Pará. O que de fato existia neste campo eram compas que haviam participado de organizações e experiências de atuação anarquistas anteriores. Havia também nesta época outros anarquistas que se organizavam e atuavam enquanto anarco-sindicalistas e mesmo adeptos do Anarco-individualismo, mas estes tinham outra concepção do Anarquismo que se diferencia do Especifismo. A Casa Utopia, que já existia em 2013, começa a desenvolver de maneira mais forte suas atividades servindo como espaço de encontro d@s libertári@s aqui no Pará.

 

  1. Como (e com quem) aconteceu essa criação?

Na minha opinião o elemento mais importante que influenciou na origem ou na criação do NARC/FACA foram as mobilizações de 2013 que ocorreram em todo Brasil. Foram nessas passeatas e atos que @s anarquistas que haviam participado das experiências do Anarquismo paraense em anos e décadas (80, 90 e 2000) anteriores se encontraram com uma nova geração de libertári@s e iniciaram o processo de reorganização do Especifismo no Pará. No final da década de 80 até início da década de 90 existiu o MCP, Movimento de Conscientização Popular. Este tinha a participação de Anarquistas, punks, feministas, etc. Foi a partir do MCP que surgiram o Núcleo da COB em Belém e a JL Juventude Libertária. Estes grupos participaram ativamente das lutas sociais que foram travadas em solo paraense, como exemplo temos a luta pela meia passagem aqui em Belém. A atuação mais importante foi no Grêmio Estudantil do colégio Souza Franco local de atuação do saudoso Maxwell Ferreira. Ainda na década dos anos 90 alguns e algumas anarquistas entraram no mundo acadêmico como estudantes universitári@s e precisamente em 1991 fundaram o Coletivo Ovelha Negra para desenvolver uma atuação anarquista na UFPA lançando inclusive um jornal. Nossa militância estudantil se desenvolveu inicialmente em alguns Centros Acadêmicos: Geografia, filosofia, economia, etc. Mas com o desenvolvimento das atuações na UFPA passamos a buscar intervenção política no Diretório Central dos Estudantes a partir do processo eleitoral. Organizamos a chapa RAIZES e como resultado assumimos a Diretoria de Cultura do DCE.

 

Ainda na década de 90 mais precisamente em 1992 começamos a desenvolver uma experiência anarquista em um Centro de Cultura, o CCL, tendo uma sala que funcionou como sede provisória na “Na Morada da Arte”. A “Na Morada da Arte” foi um espaço no Centro de Belém que aglutinou diversas associações culturais em Belém. Música, artesanato, teatro, poesia, dança, folclore, quadrinistas. Cada associação tinha uma sala para se organizar, planejar e desenvolver projetos no campo cultural.

 

O CCL funcionou na “Na Morada da Arte” de forma mais organizada até o final da década de 90. Desenvolveu muitas atividades na sua sede e aglutinou muito @s anarquistas e simpatizantes da ideologia. Se tornou uma referência das atividades anarquistas em Belém.

 

Portanto, tivemos experiência em décadas anteriores que deram essa contribuição na caminhada anarquista em solo paraense. Mas falando da fundação da FACa, podemos dizer que se esta conjuntura de 2013 não tivesse se desenvolvido com muitas passeatas e mobilizações, acho difícil ter ocorrido a fundação da FACa naquele ano. Teve o reencontro e a aproximação com nov@s militantes durante este processo. Isso evidencia que atividades políticas e sociais de grande magnitude são os elementos principais de crescimento do Anarquismo organizado e das lutas de um modo geral.

 

2.1.      Foi naquele ano que nos mobilizamos, atuamos juntos e aglutinamos conosco outros campos políticos fora do Anarquismo como foi o caso d@s autonomistas. Juntos a est@s atuamos nas passeatas, ajudamos a pagar o aluguel da Casa Utopia e, no dia primeiro de maio de 2013, fundamos em conjunto a BLMF que iniciou suas atividades nesta casa que aglutinava anarquistas especifistas, autonomistas e outr@s.

 

  1. Quais foram os principais desafios para enfrentar no início?

Dentre as principais eu citaria a falta de experiência da grande maioria d@s militantes, por conta disso a pouca formação político-ideológica de grande parte dest@s e a ausência de um trabalho de inserção social mais duradouro. Sem falar da falta de uma sede própria para projetar ações mais organizada da luta.

 

  1. A FACa se ligou ao Especifismo enquanto existem outras correntes anarquistas, por quê?

Na verdade, o Especifismo já fazia parte da história do Anarquismo paraense na década de 1990. Aqui em Belém houve o congresso nacional da OSL, primeira organização especifista Brasileira (1997). O Especifismo começou a ser debatido por alguns Estados brasileiros por volta de 1994/1995 e nós paraenses participamos deste processo. Portanto, alguns e algumas dest@s militantes remanescentes daquele período acabaram que se reencontrando nas jornadas de 2013 e com este acúmulo acabaram por influenciar os debates de formação política e ideológica da FACa. Achamos que era e é a visão anarquista mais coerente para se organizar enquanto militantes anarquistas, mas respeitando as diversas concepções da doutrina anarquista que se caracteriza pela existência de outras correntes.

 

  1. O processo de inclusão à CAB foi um percurso que durou quanto tempo?

A CAB tem seus critérios de ingresso, por isso, precisamos de alguns anos para ser aceitos como membro da Construção. Foram necessários 5 anos para termos adquirido essas condições de ingresso enquanto organização plena dela.

 

  1. Quais eventos mais marcaram a vida da organização durante esses 10 anos?

Sem dúvida alguma podemos dizer que o Congresso de fundação de 2013 foi emblemático neste processo. Mas não podemos esquecer da nossa atuação social no bairro da Pratinha que representou um grande avanço na construção da nossa corrente político-social (MOB). Apesar de não estarmos atuando mais lá, significou uma experiência muito importante que servirá de exemplo para outras atuações na periferia de Belém.

 

  1. A inclusão social faz parte dos pré-requisitos para uma organização especifista ser considerada como tal. Como se deu esta inclusão e quais as perspectivas em relação a isso?

A inserção social ou trabalho de base é o elemento fundamental da organização anarquista nas suas pretensões de enraizar o Anarquismo no seio do povo. Vemos o nosso trabalho de base nos sindicatos, grêmios estudantis, associações, periferias como espaços para apresentar o Anarquismo como alternativa de fato revolucionária. Sem inserção social dos anarquistas, a ideologia não se apresenta como alternativa popular para as lutas e para a construção de uma nova sociedade.

 

7.1       Nestes 10 anos sem dúvida alguma nossa principal experiência foi na Pratinha. Nossa atuação enquanto MOB foi no sentido de mostrar para aquela comunidade que podemos fazer muito na comunidade sem precisar de políticos, narcotraficantes e igrejas alienantes. Como o local era muito deficiente em infraestrutura, a nossa dedicação maior foi na melhoria das condições do espaço. Fizemos muitos mutirões e ações na busca desta melhoria. Fizemos vários eventos envolvendo a temática da criança, tendo visto ser este o público principal de nossa atuação. Apresentamos cinema na comunidade que aglutinava muitas crianças e jovens. Através desta atuação desenvolvemos o projeto Memorial de Luta popular em Belém que permitiu junto com os mutirões que ocorreram antes, a construção de uma sala que permitirá o desenvolvimento de muitas ações naquela comunidade mesmo sem a nossa presença.

 

7.2       Vivemos um refluxo organizacional e a retomada de um trabalho social mais forte é condição essencial para oxigenar nossa organização.

 

  1. Como se encontra a FACa hoje, quais os seus desafios principais para o futuro próximo?

A FACa atualmente passa por um refluxo organizacional. Estamos com pouca quantidade de militantes e isso se reflete no seu funcionamento interno e externo prejudicando concretamente nossa inserção social. A consequência maior foi que deixamos de ser uma organização plena da CAB. Nossos desafios serão aumentar o número de militantes e consequentemente aumento de inserção social que aumentará nosso nível de cumprimento com a CAB.

 

8.1       Entendemos que passados muitos anos de atuação anarquista no Pará identificamos que é necessário o trabalho e criação de mecanismo que impeça ao máximo a perda ou afastamento de militantes. Isto tem se demonstrado um grande desafio. Formar e manter uma geração de militantes anarquistas que dure e permaneça fiel aos princípios anarquistas por décadas. Falando da fundação da FACa até hoje, perdemos a conta de militantes que ficaram para trás. Isso prejudica a atuação e manutenção por longo período da atuação e apresentação do Anarquismo como alternativa revolucionária para o povo.

 

  1. Se tivesse que repetir algumas atuações ou evitar alguns erros já feitos no passado, quais seriam?

Colocaria como um dos nossos principais erros a falta de conversa mais íntimas com o conjunto d@s companheir@s para identificar problemas pessoais que têm levado ao afastamento de uma parcela significativa de militantes ao longo desse período.

 

9.1       No caso da atuação social propriamente dita diria que o caso da Pratinha talvez tenha faltado uma conversa mais ideológica com o casal acerca do Anarquismo, mas isso teria sido um erro coletivo quando limitamos o debate nos princípios da corrente político social (MOB) e evitamos debater o Anarquismo com os proprietários do imóvel. Enfim, essa questão precisa ser melhor debatida para evitarmos erros de atuação na Comunidade.

 

9.2 O que pude constatar é que essa geração de nov@s militantes anarquistas tem dificuldades para desenvolver o trabalho de inserção social ou trabalho de base na Comunidade. A grande maioria não consegue dar continuidade nessas comunidades. Fica pouco tempo de atuação nas periferias, talvez por falta de experiência ou por não ter paciência para esperar os resultados. Estes vêm com um trabalho de longo prazo.

 

  1. Agora o movimento anarquista belenense tem um espaço próprio (o Centro de Cultura Libertária da Amazônia, CCLA). Quais são seu lugar e sua importância no processo de construção do anarquismo no Pará?

Olha, na questão de sede, podemos dizer que se trata da realização de uma aspiração de décadas que o Anarquismo paraense tinha. Foram décadas fazendo reuniões internas em salas de escolas e universidades, Centros comunitários e associações. Agora não usaremos estes espaços para atividades e reuniões internas como muitas vezes nós fizemos, mas sim com atividades e programações de seus respectivos movimentos sociais. Sede própria aumenta a autoestima da militância. As sedes provisórias levavam boa parte dos nossos poucos recursos. Com sede própria, essa dor de cabeça com aluguel termina, porém a responsabilidade aumenta com as demandas da boa administração do espaço e bom uso do mesmo. Talvez, grande parte d@s anarquistas paraenses ainda não mensuraram o grande significado e o que pode proporcionar a conquista de uma sede própria. Mas esperamos que o tempo nos traga um crescimento quantitativo e qualitativo do Anarquismo paraense.

 

10.1     Ter sede própria significa que temos um espaço para reunir, aglutinar, debater e socializar informações com a tranquilidade que não tínhamos antes. Podemos fazer cursos de formação, debates, política de finanças, conquistar nov@s militantes para a causa libertária, enfim um conjunto de atividades que se bem desenvolvidas poderão significar um aumento da atuação anarquista no Pará e em toda a Amazônia.

 

  1. Afinal de contas, qual o balanço global que você faz desses 10 anos de existência da FACa?

Tivemos acúmulo de debates acerca do Especifismo, mas pouco avançamos na luta popular. E isso exige uma maior dedicação de nossa militância. Grandes desafios teremos pela frente.